Covid-19: antes e depois
“Cesse tudo o que a musa antiga canta, que outro valor mais alto se alevanta.”
Luiz Vaz de Camões, em sua obra Os Lusíadas, terminas assim a estrofe 3, do Canto I: “…. Cesse tudo o que a Musa antiga canta, que outro valor mais alto se alevanta. ”
Se é difícil fazermos previsões no meio deste furacão chamado Sars-Cov-2, ou o Covid-19, parece que Camões quando escreveu sua obra em 1556 já mandava um recado para nós, porque se alguma coisa podemos colocar com certeza é que as coisas não serão mais iguais no pós Covid-19.
O que tem de diferente com o Covid-19:
O surgimento de epidemias e pandemias não é novidade. O que é novidade agora é o pânico que o Covid-19 instalou no mundo e o estrago econômico que fez em tão pouco tempo.
Primeiro, porque sua transmissibilidade e letalidade são muito maiores do que as epidemias anteriores. Dados oficiais da OMS mostram que o H1N1 em 16 meses teve aproximadamente 500 mil infectados e 19 mil mortes, o Covid-19 desde 31 de dezembro de 2019 até hoje, 08 de julho de 2020, contabilizou quase 12 milhões de casos e mais de 547 mil mortes.
Segundo, porque sem capacidade de atendimento hospitalar e recursos científicos para combater este novo vírus, o protocolo das autoridades de saúde mundial e a OMS, foi o isolamento da população. O efeito colateral disto é quase tão danoso como a própria doença: empresas parando e fechando, maiores gastos sociais para fazer frente a pandemia, níveis recordes de desemprego, bolsas despencando, câmbio estrangulando as moedas mais fracas, queda no PIB mundial, e uma consequência desconhecida das pandemias anteriores: mudança de hábitos do consumidor, do fornecedor, dos modelos de trabalho e até modelo dos negócios.
O efeito Covid-19:
Não vou me estender em números aqui, mas alguma coisa é importante registrar. Afinal, a economia não é imune às epidemias e pandemias. Umas mais e outras menos, não custam pouco por onde passam, porém, passam e a vida volta ao normal. O Covid-19 também vai passar. A diferença é que a vida não será mais exatamente a mesma.
O FMI prevê uma retração de 3% na economia mundial em 2020*, que comparada com a recessão de 2008, que resultou numa queda de 0,1% e na economia mundial em 2009, nos deixa coçando a cabeça. Resumindo o cenário mundial hoje, os Estados Unidos com desemprego de 10% e 5% de queda no PIB em 2020* segundo o Fed e a China apontando para um PIB de 1,2% no ano*, positivo, mas o menor dos últimos 27 anos. Os motores da economia mundial hoje mostram um cenário difícil para 2020 e reflexos para 2021. Fazendo parte deste xadrez, Alemanha, Espanha e Portugal tiveram um crescimento no desemprego entre 13% e 14%.* A Europa pode perder mais de 59 milhões de postos de trabalho – é como se na Itália, por exemplo, toda a população ficasse desempregada.
No Brasil, o governo acabou de estimar uma retração na nossa economia de 4,7% para 2020*, próxima da previsão do FMI e do Banco Mundial de 5,2% e 5% respectivamente. O IBRE – FGV coloca que o desemprego pode chegar a 16%, e ainda continuamos com forte tendência de manter o isolamento social.
Um outro efeito, e é verdade que isto depende da característica cultural de cada país, de cada região, é a mudança dos hábitos da população. Após o afrouxamento das restrições, normalmente o comércio não decola rapidamente porque as pessoas são céticas ou têm medo de retornar à rua. Como estamos vendo em países que já estão voltando à normalidade, tem ficado mais evidente que bares e restaurantes de ambientes fechados, shows, cinemas e teatros, baladas e até estádios devem ficar vazios ou com poucos frequentadores por longo tempo.
A intensificação neste período do comércio pela internet, a disponibilidades de cursos à distancia, a telemedicina, o home work ou trabalho à distância, com certeza agora vieram para ficar.
Conforme Wilson Bryan Key, o cérebro humano cria, ou constrói sua própria percepção da realidade em relação às suas percepções, seus motivos fabricados, seus interesses pessoais e seu background cultural.
Quais e como serão os mercados pós Covid-19
Muitas empresas mundiais já vinham coçando a cabeça e descontentes com a globalização e com um sentimento à desglobalizarem-se. Também, e principalmente as americanas, deixaram seu sentimento superlativo e perceberam um pouco da dor que o binômio distância x dependência pode causar e causou com a chegada do Covid-19. Isto deve levar países da Europa e os Estados Unidos à uma re-industrialização. Na Europa, Portugal já é um candidato a cluster neste processo, como já visto em vários sites de notícias.
No frigir dos ovos, no mercado externo tudo aponta para uma política protecionista, barreiras comerciais entre os países, dificuldade maior no comércio internacional para privilegiar o mercado doméstico.
Para o Brasil, com exceção ao agronegócio, responsável por 25% do nosso PIB que parece manter vitalidade nos mercados externos e alguns poucos setores que possam ser favorecidos neste momento pela situação cambial, o mercado externo não deverá ter muito espaço para crescimento no médio prazo.
No mercado interno, o cenário não é menos preocupante. A CNN informava em abril que segundo o Sebrae pelo menos 600 mil micros e pequenas empresas fecharam as portas com 9 milhões de funcionários demitidos. A pesquisa também mostra que 30% dos empresários tiveram que buscar empréstimos para manter seus negócios, mas 88,7% ainda aguardam ou tiveram pedidos negados. Ainda 29% deles desconhecem as linhas de crédito que estão sendo disponibilizadas para evitar demissões e 57% apenas ouviram falar a respeito, mostra a pesquisa.
As indústrias como a de petróleo, indústrias química, de máquinas, automobilísticas e da construção civil também foram seriamente afetadas.
O Banco Central, assim como os de outros países, estão tentando injetar liquidez no mercado e isto pode induzir ao consumo dos bens duráveis e pode favorecer o consumo dos bens imobiliários, acelerando a retomada da construção civil.
Muito, sem dúvida, dependerá do comportamento do governo em relação à economia e a vontade de dissipar a incerteza política que vemos presente até agora.
Como deverão agir as empresas após a pandemia?
Há uma citação atribuída supostamente a Charles Darwin que diz que “As espécies que sobrevivem não são as espécies mais fortes, nem as mais inteligentes, e sim aquelas que se adaptam melhor às mudanças”.
Na realidade o que a humanidade mais fez ao longo da história foi se adaptar. Para o bem ou para o mal. Mas se adaptar. À medida que a competitividade cresceu a chegou onde estamos agora, a necessidade de adaptação não é mais aquela, natural, que vinha acontecendo gradativamente. Agora a adaptação de hoje é para ontem.
Lá, em 1807 quando Thomas Young estudou a propriedade de alguns materiais voltarem ao seu estado normal após terem sofrido uma deformação, e que chamou de resiliência. Em meados dos anos 50, este termo vindo da física começou a aparecer no âmbito das ciências humanas, da psicologia, significando a habilidade de uma pessoa que submetida à uma pressão fora do comum, ou um trauma, conseguir encontrar meios para voltar ao seu estado normal.
Eu prefiro dizer que resiliência é a habilidade da pessoa de buscar uma atualização constante se mantendo sempre pronta e capaz de atuar nas várias circunstâncias buscando seus propósitos. É um conceito bem mais amplo, mais difícil, mas menos perigoso.
No final, nós utilizamos sempre a resiliência como a habilidade de se adaptar, e o interessante é que isto de hoje em diante será muito importante não só para o para o empregado, mas também muito para o empregador.
Como as empresas se adaptarão à nova realidade?
As empresas tiveram que reduzir, e terão que manter, seus custos fixos fortemente reduzidos. Será preciso saberem da importância do uso da tecnologia em maior escala, aceitarem a realidade do trabalho remoto, entenderem que onde 20 realizavam um trabalho, agora 10 deverão fazê-lo, e isto para todos os setores da empresa, e claro, haverá para os “sobreviventes “ uma demanda maior do esforço produtivo. A honestidade e transparência com o pessoal, para recuperar a confiança e tranquilidade dos colaboradores que, sem dúvida, ficou abalada, o cuidado com aqueles que perderam pessoas durante e por causa desta pandemia deverão ser muito mais intensos e efetivos. Saírem do discurso para a prática, porque isto vai refletir diretamente na produtividade da empresa.
Olhando para o mercado, muitas empresas precisarão reestudar seus canais de venda. Aquelas que ainda não tem seu mercado online e achavam que não era importante ou que era difícil, precisarão se adaptar aos novos hábitos deste novo mercado.
As que acharam nisto uma maneira de sobreviver no momento, deverão entenderem as falhas que possam ter ocorrido com a urgência de iniciarem neste processo, corrigir e melhorá-las porque ainda que os outros canais de venda utilizados até então permaneçam, este não mais deixará de existir. Isto possibilitou ao cliente uma facilidade enorme na escolha de seu fornecedor, entre outras facilidades como a comodidade e confiança no processo online.
Assim o que chamados de resiliência hoje tem sem dúvida dois lados: empregado e empregador.
E qual será o papel do RH, no pós Covid-19?
Tenho observado algumas empresas com várias unidades produtivas em locais diferentes e também em grupos empresariais, que com as possibilidades hoje da tecnologia disponível, tem feito a centralização daquelas operações que são da mesma natureza e podem ser realizadas a distância, nos headquarters das empresas, como os departamentos financeiros, compras, jurídicos e RH.
Independente do tipo de empresa acho que o RH, principalmente hoje, precisa estar próximo do pessoal, digo, de todo o pessoal. Algumas empresas com a centralização do seu RH estão disponibilizando terminais para uma consulta à distância, ou como dizem alguns, abrindo chamado para o RH.
Para mim isto é um grande erro e afasta o RH da sua função lógica e natural: Relações Humanas, aliás este deveria ser o nome do RH, e não Recursos Humanos. O homem deixa de ser recurso e passa a ser parte do contexto. Cada vez mais e agora também por força da situação o indivíduo não é mais um recurso e sim um parceiro da empresa. Se ele precisa da empresa para sua subsistência, a empresas precisa dele para seu sucesso. É uma troca relacional de mão dupla. O RH pode deixar sua função burocrática centralizada ou em alguns casos até terceirizada, mas a sua função principal precisa ser estratégica mais do que nunca. Ele precisa estar fortemente inserido no propósito da empresa, sua visão e missão. E isto tem que ser levado também de forma clara aos colaboradores, ou parceiros (gosto mais de parceiros). Desta forma ele precisa cuidar da saúde de todo o inter-relacionamento na organização: homem-homem, homem-empresa e empresa-homem. Todo inter-relacionamento vertical e horizontal da empresa.
Eu tive um amigo já falecido que dizia que o colaborador devia ser carregado no colo, porque é o maior ativo da empresa. O produto RH pode ter a forma de serviços, mas tendo todos eles como foco central as pessoas, que trabalham para a organização. Sempre deveria ter sido e hoje, é impreterível que o seja.
Ademar Chaves Filho
Master Coach, Mentor Executivo, Consultor e Palestrante.
CEO do Grupo ACT Advanced Consultoria e Treinamento Ltda.
*dados de Maio/2020, quando o artigo foi escrito.
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